Parlamentar de Inquérito (CPI) da Previdência imprimia uma derrota ao governo ao aprovar por unanimidade um relatório que nega a existência de
deficit nas contas da aposentadoria e rejeita a necessidade de mudanças.
"A reforma não anda (no Congresso). Como é embasada em premissas falsas, conforme a CPI comprovou, ela vai empacar por si só", disse o senador
Hélio José (Pros-DF), autor do relatório baseado em uma investigação de seis meses.
Hélio José (Pros-DF), autor do relatório baseado em uma investigação de seis meses.
Essas supostas premissas falsas podem ser resumidas em três itens principais: inclusão de servidores federais (civis e militares) no rombo, projeções
"exageradas" de envelhecimento da população e má gestão dos recursos.
"exageradas" de envelhecimento da população e má gestão dos recursos.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, reagiu dizendo que o rombo na Previdência é inquestionável. O governo considera essencial a reforma
para tirar as contas públicas do vermelho. "Não é momento para demagogia", criticou.
para tirar as contas públicas do vermelho. "Não é momento para demagogia", criticou.
Mas afinal, há ou não deficit? A BBC Brasil ouviu autoridades e especialistas e explica abaixo os principais argumentos dos dois lados dessa
discussão.
discussão.
1) O que deve entrar nessa conta?
Quando se fala em rombo, o primeiro ponto de discórdia é o que deve entrar nesta conta.
O governo aponta para um desequilíbrio tanto no regime que atende os trabalhadores do setor privado (INSS), quanto no de aposentadoria dos
servidores públicos.
No caso dos servidores federais, as aposentadorias e pensões de 982 mil pessoas (civis e militares) registrou um deficit em 2016 de R$ 77,2 bilhões.
Já o INSS, que atendeu cerca de 27 milhões de aposentados e pensionistas no ano passado, teve deficit de R$ 149,7 bilhões.
servidores públicos.
No caso dos servidores federais, as aposentadorias e pensões de 982 mil pessoas (civis e militares) registrou um deficit em 2016 de R$ 77,2 bilhões.
Já o INSS, que atendeu cerca de 27 milhões de aposentados e pensionistas no ano passado, teve deficit de R$ 149,7 bilhões.
A diferença fica mais clara quando se calcula o tamanho do deficit por pessoa nos dois regimes. No INSS, equivale a R$ 5,5 mil por pessoa, enquanto
entre servidores federais civis e militares chega a 77,2 mil.
entre servidores federais civis e militares chega a 77,2 mil.
A conclusão da CPI se baseia no argumento de economistas que defendem que os regimes de aposentadoria dos setores público e privado são
diferentes e devem ser tratados separadamente.
diferentes e devem ser tratados separadamente.
Além disso, sustentam que, segundo o artigo 194 da Constituição Federal, as contas da Previdência dos trabalhadores privados devem ser
contabilizadas dentro da Seguridade Social, que inclui ainda as receitas com outras contribuições sociais e despesas com Saúde e benefícios como o Bolsa Família.
contabilizadas dentro da Seguridade Social, que inclui ainda as receitas com outras contribuições sociais e despesas com Saúde e benefícios como o Bolsa Família.
Segundo cálculos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) citados pela CPI, a Seguridade Social apresentou em
média saldo anual positivo de R$ 50 bilhões entre 2005 e 2016. O único saldo negativo desse período, de R$ 57 bilhões, ocorreu no ano passado --
segundo a Anfip isso foi reflexo da crise econômica, que reduziu a arrecadação de tributos, mas trata-se de uma situação conjuntural que será revertida
com a retomada da economia.
média saldo anual positivo de R$ 50 bilhões entre 2005 e 2016. O único saldo negativo desse período, de R$ 57 bilhões, ocorreu no ano passado --
segundo a Anfip isso foi reflexo da crise econômica, que reduziu a arrecadação de tributos, mas trata-se de uma situação conjuntural que será revertida
com a retomada da economia.
Para chegar a essa cálculo, a Anfip desconsiderou a aplicação da DRU (Desvinculação de Receitas da União), mecanismo que permite ao governo
usar 30% das receitas da Seguridade Social para outras despesas.
usar 30% das receitas da Seguridade Social para outras despesas.
Já o governo estima resultados muito diferentes para o mesmo período. Segundo os dados do Ministério da Fazenda, a Seguridade Social registra
deficit há muitos anos e o rombo chegou a R$ 243 bilhões no ano passado. A grande diferença nos cálculos é que o governo inclui nessa conta o
impacto da DRU e também o deficit da aposentadoria dos servidores públicos.
deficit há muitos anos e o rombo chegou a R$ 243 bilhões no ano passado. A grande diferença nos cálculos é que o governo inclui nessa conta o
impacto da DRU e também o deficit da aposentadoria dos servidores públicos.
Segundo o procurador do Tribunal de Contas da União Júlio Marcelo de Oliveira, a DRU (R$ 92 bilhões em 2016) na prática é quase toda usada para
cobrir o rombo da Previdência do setor público.
cobrir o rombo da Previdência do setor público.
"A discordância central é sobre a metodologia para apurar se há deficit. Olhar o resultado global da seguridade não significa que não existe rombo. Na
prática, isso tira recursos da saúde e assistência social", diz Oliveira.
prática, isso tira recursos da saúde e assistência social", diz Oliveira.
"Não se trata de contabilidade heterodoxa. É o que a Constituição Federal manda", rebate o presidente da Anfip, Floriano Martins.
2) O deficit do setor público está "equacionado"?
Para críticos da CPI da Previdência, o relatório final joga o rombo do regime público para debaixo do tapete. Eles ressaltam que as aposentadorias
pagas aos servidores são bem mais altas que as recebidas pelos trabalhadores da iniciativa privada. Dessa forma, esse deficit, coberto pela receita de
impostos, significa uma transferência de renda de toda a sociedade para setores que já ganham mais.
pagas aos servidores são bem mais altas que as recebidas pelos trabalhadores da iniciativa privada. Dessa forma, esse deficit, coberto pela receita de
impostos, significa uma transferência de renda de toda a sociedade para setores que já ganham mais.
Segundo o Ministério do Planejamento, a média paga aos inativos do Poder Executivo em 2016 foi de R$ 7.620. Já o Poder Judiciário, pagou em média
R$ 22.245, enquanto os aposentados do Poder Legislativo receberam em média R$ 28.593 por mês. No INSS, por sua vez, o benefício médio está em
R$ 1.287.
R$ 22.245, enquanto os aposentados do Poder Legislativo receberam em média R$ 28.593 por mês. No INSS, por sua vez, o benefício médio está em
R$ 1.287.
Questionado sobre a falta de recomendações da CPI para reverter o rombo do regime público, o senador Hélio José disse à BBC Brasil que a
previdência dos servidores "já está equacionada pelas reformas anteriores", adotadas desde os anos 90.
O teto das aposentadorias de quem foi contratado depois de 2013, por exemplo, é igual ao do INSS (hoje em R$ 5.531,31). Quem quiser receber mais
precisa aderir a um sistema de previdência complementar.
previdência dos servidores "já está equacionada pelas reformas anteriores", adotadas desde os anos 90.
O teto das aposentadorias de quem foi contratado depois de 2013, por exemplo, é igual ao do INSS (hoje em R$ 5.531,31). Quem quiser receber mais
precisa aderir a um sistema de previdência complementar.
A questão é que, como essas regras só valem para novos funcionários, seu impacto sobre o Orçamento vai demorar décadas. As projeções do governo
federal indicam que o rombo na previdência dos servidores civis da União continuará crescendo até 2048, ano em que atingirá R$ 268,6 bilhões.
Apenas a partir daí o deficit deve começar a recuar, chegando a zero no final do século.
federal indicam que o rombo na previdência dos servidores civis da União continuará crescendo até 2048, ano em que atingirá R$ 268,6 bilhões.
Apenas a partir daí o deficit deve começar a recuar, chegando a zero no final do século.
"O atual sistema concentra renda", crítica o economista Nelson Marconi, professor da FGV-SP.
Por outro lado, os dados mostram uma estabilidade desse rombo em relação ao PIB (Produto Interno Bruto, somo de toda a riqueza gerada pelo país)
no patamar de 0,6% nos últimos anos, com pequenas variações. Para a economista Denise Gentil, professora da UFRJ, uma das principais
acadêmicas a negar a existência do deficit da Previdência, esse é o indicador que importa.
no patamar de 0,6% nos últimos anos, com pequenas variações. Para a economista Denise Gentil, professora da UFRJ, uma das principais
acadêmicas a negar a existência do deficit da Previdência, esse é o indicador que importa.
3) O problema é de má gestão?
Outro argumento do relatório da CPI é que o rombo apontado pelo governo seria problema de má gestão das contas da Previdência. O documento
ressalta que houve um grande volume de descontos nas contribuições previdenciárias concedidas nos últimos anos, como a desoneração da folha, que
visava evitar o desemprego, mas acabou mostrando pouco resultado nesse sentido.
ressalta que houve um grande volume de descontos nas contribuições previdenciárias concedidas nos últimos anos, como a desoneração da folha, que
visava evitar o desemprego, mas acabou mostrando pouco resultado nesse sentido.
Além disso, o governo dá também isenções a alguns setores, como pequenas empresas e entidades filantrópicas. A Receita Federal estima que essas
desonerações significam menos R$ 65 bilhões em arrecadação neste ano.
desonerações significam menos R$ 65 bilhões em arrecadação neste ano.
Além disso, o relatório da CPI também destaca o grande volume de dívida previdenciária --cerca de R$ 450 bilhões de contribuições não pagas pelas
empresas. Segundo a Procuradoria da Fazenda Nacional, no entanto, somente R$ 175 bilhões correspondem a débitos recuperáveis, já que muitas
das empresas com dívidas são falidas.
empresas. Segundo a Procuradoria da Fazenda Nacional, no entanto, somente R$ 175 bilhões correspondem a débitos recuperáveis, já que muitas
das empresas com dívidas são falidas.
À BBC Brasil, o secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, reconhece ser importante acelerar os processos de recuperação dessas dívidas e a
necessidade de rever desonerações, mas diz que isso não resolve o problema da Previdência no longo prazo, já que o processo de envelhecimento da
população manterá as despesas com aposentadoria em alta.
necessidade de rever desonerações, mas diz que isso não resolve o problema da Previdência no longo prazo, já que o processo de envelhecimento da
população manterá as despesas com aposentadoria em alta.
"Recuperar dívidas e reverter desonerações são um paliativo", afirmou.
Já Denise Gentil diz que o problema maior é de má gestão de política econômica. Na sua visão, a "agenda neoliberal" adotada pelos governos nos
últimos anos, como corte de investimentos e juros altos, deprimiu o crescimento, impactando diretamente a arrecadação de impostos, inclusive a
receita da Previdência.
últimos anos, como corte de investimentos e juros altos, deprimiu o crescimento, impactando diretamente a arrecadação de impostos, inclusive a
receita da Previdência.
"Temos que nos perguntar: a quem interessa essa reforma? Aos bancos, aos planos de previdência privada. É um rombo produzido para atender a
esses interesses", argumenta a professora.
esses interesses", argumenta a professora.
Floriano Martins reforça o argumento: "Se tiver crescimento econômico, a Previdência some das manchetes de jornal", diz.
4) Temor exagerado com envelhecimento?
A CPI também acusa o governo de prever um envelhecimento exagerado da população. "Ao longo deste relatório é possível verificar a inconsistência
de dados e de informações anunciadas pelo Poder Executivo, que desenham um futuro aterrorizante e totalmente inverossímil", diz o documento.
de dados e de informações anunciadas pelo Poder Executivo, que desenham um futuro aterrorizante e totalmente inverossímil", diz o documento.
O relatório cita estudo realizado por Gentil e outros economistas. Ele diz, por exemplo, que o governo faz suas projeções com base na Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2014 em vez de usar os dados do Censo de 2010, que seriam mais completos.
Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2014 em vez de usar os dados do Censo de 2010, que seriam mais completos.
Ambas são pesquisas do IBGE --enquanto o Censo vai a todos os domicílios do país a cada dez anos, com um conjunto menor de perguntas, a Pnad
faz levantamentos amostrais, mas com questionários mais amplos.
faz levantamentos amostrais, mas com questionários mais amplos.
Gentil afirma que fez projeções com base no Censo que indicam um crescimento menor da população idosa, o que resultaria numa evolução mais lenta
dos gastos da Previdência.
Outros especialistas em dados demográficos e projeções ouvidos pela BBC Brasil discordaram das conclusões da professora. "O envelhecimento
populacional no Brasil é real e é um dos mais velozes do mundo", afirma o demógrafo José Eustáquio Alvez, professor da Escola Nacional de Ciências
Estatísticas do IBGE.
dos gastos da Previdência.
Outros especialistas em dados demográficos e projeções ouvidos pela BBC Brasil discordaram das conclusões da professora. "O envelhecimento
populacional no Brasil é real e é um dos mais velozes do mundo", afirma o demógrafo José Eustáquio Alvez, professor da Escola Nacional de Ciências
Estatísticas do IBGE.
Já o especialista em projeções previdenciárias Luís Eduardo Afonso, professor da USP, disse à BBC Brasil que o cálculo do governo pode ser
melhorado, mas considerou que algumas premissas adotadas, como a evolução da produtividade do trabalhador brasileiro, estão, na verdade, otimistas
demais.
melhorado, mas considerou que algumas premissas adotadas, como a evolução da produtividade do trabalhador brasileiro, estão, na verdade, otimistas
demais.
À BBC Brasil, o Ministério da Fazenda negou que use apenas dados da Pnad em suas projeções. O órgão afirmou que considera em seu modelo "a
evolução das quantidades absolutas de pessoas por sexo e idade ao longo do tempo, que são extraídos das matrizes populacionais do IBGE
(projeções até 2060 baseadas no Censo)".
evolução das quantidades absolutas de pessoas por sexo e idade ao longo do tempo, que são extraídos das matrizes populacionais do IBGE
(projeções até 2060 baseadas no Censo)".
Depois disso, "para fins de modelo de projeção previdenciária, aplicam-se taxas obtidas a partir da Pnad (taxas de urbanização, de ocupação, entre
outras) às quantias absolutas de população do IBGE".
outras) às quantias absolutas de população do IBGE".
O IBGE, por sua vez, disse que seus "métodos demográficos estão em consonância com as recomendações da ONU".
Fonte: Mariana Schreiber Da BBC Brasil em Brasília
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